Sobre o assunto..



Teotônio Vilela e as  privatizações 

Jornal do Brasil http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2012/01/12/teotonio-vilela-e-as-privatizacoes/

Mauro Santayana
As circunstâncias políticas levaram o governador Teotônio Vilela Filho a inscrever-se no PSDB — assim como muitos outros de seus companheiros de geração. Quando o fizeram, o partido surgia como uma grande esperança de centro-esquerda, animada, ainda, de proclamada intenção de saneamento dos costumes políticos. Provavelmente, se seu pai não tivesse morrido antes, ele, durante o governo do senhor Fernando Henrique Cardoso, teria mudado de legenda.
O intrépido e arroubado patriota que foi Teotônio Vilela pai teria identificado, nos paulistas que, desde então, controlam o partido, os entreguistas que, na herança de Collor, desmantelaram o Estado e venderam, a preços simbólicos, os bens nacionais estratégicos aos empresários privados, muitos deles estrangeiros, e teria aconselhado o filho a deixar aquele grupo.
O PSDB — e, com muito mais inquietação, a ala paulista do partido — se assusta com a hipótese de que a abertura do contencioso das privatizações, a partir das revelações do livro de Amaury Ribeiro Júnior, venha a trazer a punição dos responsáveis, e trata de defender-se. Seus dirigentes não parecem muito preocupados com as vicissitudes de José Serra, que não defendem claramente, mas, sim, com a provável devassa de uma Comissão Parlamentar de Inquérito  —  uma vez que conseguiram fosse frustrada a primeira investigação.


O partido se vale, agora, do Instituto Teotônio Vilela, para defender a entrega do patrimônio público,  e isso constrange os que conheceram de perto o grande alagoano e o seu entranhado patriotismo. Ele, se não estivesse morto, iria exigir que retirassem seu nome da instituição, que nada tem a ver com as suas ideias e a sua luta. Mas ele não é o único morto que teria queixas nesse sentido.
Como sabemos, os “democratas” deram o nome de Tancredo ao seu instituto de estudos, quando o grande mineiro sempre se pôs contra as oligarquias e sempre se opôs à ditadura. Só falta, agora, o Instituto Millenium adotar o nome de Vargas.
A “Carta da Conjuntura”, do PSDB,  datada de dezembro último, não se limita a cantar loas a Fernando Collor e a Fernando Henrique. Em  redação ambígua, dá a entender que coube a Itamar iniciar o processo de privatização da Vale do Rio Doce, consumada em 1997.
Vejamos como está redigido o trecho:
 “A transferência paulatina de empresas públicas para o capital privado tornou-se política de governo a partir da gestão Fernando Collor, por meio da implantação do Programa Nacional de Desestatização. Dezoito foram vendidas em sua curta passagem pelo Planalto. O presidente Itamar Franco não retrocedeu e manteve a marcha, privatizando mais 15 companhias. Nesta época, os principais alvos foram as siderúrgicas, como a CSN, a Usiminas e a Cosipa, e as mineradoras, como a então Companhia Vale do Rio Doce (hoje apenas Vale). A Embraer também entrou na lista, no finzinho de 1994”.
Ora, é público e notório, para quem viveu aquele tempo  —  não tão remoto assim  —  que Itamar reagiu com patriótica indignação contra a privatização da Vale do Rio Doce. Reuniu, em 1997,  vários nomes do nacionalismo brasileiro em seu escritório de Juiz de Fora, quando foi redigido  —  e com minha participação pessoal  —  um Manifesto contra a medida. Mais ainda: Itamar impediu, como governador de Minas, a privatização da Cemig e de Furnas, como todos se recordam.
Os defensores da privatização usam argumentos que não resistem a um exame combinado da ética com a lógica e a tecnologia. Eles se referem à privatização da telefonia como “a jóia da coroa das privatizações”. A telefonia era, sim, a joia da coroa do interesse estratégico nacional. E se referem ao aumento e barateamento das linhas telefônicas e dos celulares. A universalização da telefonia e seu custo relativamente baixo, hoje, se devem ao desenvolvimento tecnológico.
Com o aproveitamento maior do espectro das faixas de rádio-frequência, a miniaturização dos componentes dos aparelhos portáteis e as fibras óticas — para cuja adequação à telefonia nacional foi decisivo o trabalho desenvolvido pelos técnicos brasileiros da CPT da Telebrás.  Se assim não fosse, os nômades da Mongólia não estariam usando celulares, nem os usariam os camponeses do vasto interior da China, como tampouco os habitantes da savana africana. Como ocorreu no mundo inteiro, o desenvolvimento técnico teria, sim, universalizado o seu uso no Brasil, com a privatização e, principalmente, sem ela.
Ao ler o texto, lembrei-me dos muitos encontros que tive com Teotônio Vilela, nos seus últimos meses de vida, em São Paulo, no Rio e em Belo Horizonte. Ele lutava com bravura contra o câncer e contra a irresponsabilidade das elites nacionais. A memória daquele homem em que a enfermidade não reduzia a rijeza moral nem o amor ao Brasil — o Brasil dos vaqueiros e dos jangadeiros do Nordeste, dos homens do campo e dos trabalhadores do ABC —  me confrange, ao ver seu nome batizando uma instituição capaz de divulgar documentos como esse.


É necessário, sim, rever todo o processo de privatizações, não só em seus aspectos éticos e contábeis, mas também em sua relação com o sentimento nacionalista de nosso povo. Os arautos da entrega alegam, no caso da Vale do Rio Doce, que a empresa tem hoje mais lucros e recolhe mais impostos do que  no passado, mas se esquecem de que isso se faz na voraz exploração de nossas jazidas, que jamais serão recuperadas, e sem que haja compensação justa aos municípios e estados produtores.
E há mais: foi o dinheiro brasileiro que financiou a privatização das telefônicas e vem financiando as empresas “compradoras”, como se vê nos repetidos empréstimos do BNDES para sua expansão e fusões, como no caso da Telefônica de Espanha.
Enfim, os “pensadores” do PSDB acham que os brasileiros são parvos.  

Tags: fernando henrique, paulistas, privatizações, psdb, teotônio vilela


O duplo papel do BNDES

12/01/12 07:31 | Júlio Gomes de Almeida - Professor da Unicamp e consultor do Iedi


As polêmicas que com muita frequência envolvem as operações do BNDES normalmente não levam em conta o duplo papel exercido pelo banco na economia brasileira.
Ele cumpre funções de formulador e executor de políticas, como a exportação de manufaturados, financiamento de obras do PAC, políticas tecnológicas e de inovação empresarial e políticas industriais a exemplo do recém-anunciado Plano Brasil Maior.

Já cooperou em muitos outros processos relevantes, como a privatização de empresas estatais dos anos 90 e, anteriormente, da formação da infraestrutura e da constituição da indústria de base.

É um papel que a instituição não deixará de cumprir, ainda que sejam postas em prática as mais drásticas mudanças que vêm sendo propostas, dentre elas a supressão de recursos que servem de base ao financiamento corrente do banco de desenvolvimento ou o encarecimento radical das taxas de juros cobradas nos seus empréstimos.

Isto porque é estreita a correspondência entre as operações do banco e a execução de políticas que foram, são e serão relevantes para o desenvolvimento econômico e social.

No recente episódio de crise nos países centrais e seu contágio sobre as economias emergentes, ficou evidente a importância dos países contarem com instituições públicas de fomento para atuarem de forma anticíclica.

Mas, o BNDES na prática também acaba exercendo a função de suprir as lacunas do financiamento de longo prazo, algo que os bancos juntamente com o mercado de capitais exercem em outras economias, incluindo as emergentes.

Desse ponto de vista, o Brasil acumula significativo atraso com relação a outros países.

Nosso crédito é ágil, mas é caro demais e os prazos são muito curtos, correspondendo aos prazos diminutos com que são feitas em média as captações bancárias.

Liquidez pronta combinada com alta rentabilidade não é a melhor fórmula para desenvolver o crédito de longo prazo, de forma que o financiamento no Brasil, salvo no caso do BNDES, acaba se concentrando em empréstimos curtos e de menor risco.

Por outro lado, o mercado de capitais doméstico é pouco desenvolvido, em parte devido à atratividade das alternativas de aplicação da riqueza financeira em títulos públicos de baixo risco, alta liquidez e generoso retorno.

Disto resulta uma atrofia no crédito voluntário, sobretudo para investimento, além de uma atrofia do financiamento não bancário. A primeira limitação afeta até mesmo o crédito para o investimento mais leve e a segunda, além de não contribuir para a redução do custo do crédito bancário, diminui a capacidade que as empresas nacionais têm para financiar operações vultosas, como a compra de outras empresas, que um mercado de capitais desenvolvido permite.

O governo vem procurando incentivar o financiamento de longo prazo, mas as medidas já adotadas limitaram muito o incentivo e beneficiaram tão somente os bancos e os projetos de infraestrutura, quando o benefício deveria ter sido generalizado.

Já poderia, por outro lado, começar a punir a rentabilidade alta associada à liquidez plena para induzir o aplicador a assumir mais riscos e ampliar os prazos de seus investimentos.
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Julio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi)
Paradoxos na gestão dos recursos do Estado
A inversão de prioridades no uso das TIC Por Luís Vidigal (*)
Portugal tem vindo nos últimos trinta anos a sofrer influências da chamada "nova gestão pública", visando a passagem de estruturas tradicionais, baseadas no estrito cumprimento de normas, actuando em monopólio, hierarquizadas e caracterizadas pela estabilidade e previsibilidade, para estruturas pós-burocráticas tendencialmente mais eficientes, actuando num ambiente de concorrência e competição entre agentes públicos e privados e num sistema orgânico orientado para o "cliente", colocando maior ênfase na mudança, na inovação e na produção de produtos e serviços públicos. Era suposto que as antigas direcções gerais fossem sendo divididas em pequenos centros de estudo e formação de políticas públicas, que permanecessem na administração directa do estado, transferindo-se as actividades operacionais para um conjunto de serviços satélites, no âmbito da administração indirecta do estado, capazes de implementar essas políticas e preparar-se para uma possível privatização futura. Seria suposto que se tornassem claros os papéis das unidades estratégicas em relação às unidades operacionais, permitindo uma maior clarificação dos limites entre o sector público e o sector privado. 

Nome imagemA passagem de um modelo burocrático tradicional para um modelo pós-burocrático nunca chegou verdadeiramente a acontecer em Portugal, tendo-se persistido em sinais tradicionais através da actuação centralizada e em monopólio a par de uma empresarialização fora de controlo, com unidades independentes que se foram apropriando de competências estratégicas e regulatórias, muito para além das tarefas operacionais específicas da administração indirecta estado. O XIX Governo está a ter uma prática contraditória com o modelo pós-burocrático, ao retirar autonomias aos vários níveis do sector estado, nomeadamente convertendo empresas em institutos e institutos em direcções-gerais, pretendendo deste modo vigiar de perto os recursos que estiveram fora de controlo nos últimos anos. 

Quando um Governo chega ao poder, sobretudo num período de crise como este, deveria fazer algumas perguntas prioritárias, se quisesse tomar decisões com alguma objectividade: Quantos funcionários públicos temos, onde estão, que categorias, qual a idade, qual a antiguidade, quanto custam, o que fazem? Que dinheiro existe, onde está, quais os compromissos, quanto devemos? Que património possuímos, onde está, qual o valor, qual a antiguidade e estado de conservação? As respostas deveriam ser únicas, certeiras e concertadas entre os diversos organismos horizontais que seria suposto disporem de fontes de informação fiáveis e sincronizadas, capazes de responder prontamente a estas perguntas, tais como a DGO - Direcção Geral do Orçamento, a DGAEP - Direcção Geral da Administração e do Emprego Público, a DGT - Direcção Geral do Tesouro, CGA - Caixa Geral de Aposentações e a GERAP - Empresa de Gestão Partilhada de Recursos da Administração Pública.

Desde o início dos anos 90 com o aparecimento da RAFE (Reforma Financeira do Estado) e das suas aplicações SIC e SRH, bem como da unidade de tesouraria, que se teve uma preocupação de controlo universal dos recursos da administração pública. No início da implementação do POCP / RIGORE a par da criação do SIGRAP (Sistema de Gestão dos Recursos da AP) no âmbito do Sistema de Controlo Interno, aprovado por Manuela Ferreira Leite em Janeiro de 2003, houve um reforço da preocupação no controlo financeiro de todos os subsectores do Estado onde circulavam dinheiros públicos. No domínio dos recursos humanos, a BDAP, criada no final dos anos 90 a cargo do Instituto de Gestão da Base de Dados dos Recursos Humanos da Administração Pública e mais tarde retomada em 2003 pela DGAEP e pelo II/MFAP, foi uma boa tentativa de alargar o conhecimento dos recursos humanos afectos à administração pública central, regional e local e aos serviços e fundos autónomos, ficando de fora apenas o sector público empresarial. Esta iniciativa teve também o mérito de criar normas de interoperabilidade com o SRH e outros ERP em uso no sector público, o que tornou a universalidade dos dados mais fácil e rápida de alcançar. Os últimos dados efectivos deste sistema semiautomático remontam a 2005.

Com a criação da GERAP em 2007, todo este processo de cobrir a totalidade dos recursos financeiros e humanos foi interrompido e enveredou-se por uma estratégia em sentido inverso, com uma preocupação centrada na implementação de ERP departamentais e pela venda avulsa destes serviços e aplicações aos organismos. A universalidade e a consequente gestão global dos recursos do estado deixou de ser uma prioridade, numa altura em que seria mais necessária, não apenas pelo contexto de crise, mas também devido à passagem acelerada nos últimos 10 anos dos organismos da administração directa para a administração indirecta do estado, de forma deliberada mas também descontrolada. A própria unidade de tesouraria que foi uma tónica da RAFE nos anos 90 está a ser posta em causa, como têm sido referido nos relatórios do Tribunal de Contas sobre as contas no Tesouro, que não chegam a incluir 6% das empresas públicas, desrespeitando o princípio da unidade de tesouraria imposto pela União Europeia.

Nos recursos humanos, a BDAP, que seria suposto estar permanentemente actualizada, teve a sua última actualização a 6 de Julho de 2007, pouco tempo depois da criação da GERAP. Nos recursos financeiros e patrimoniais, foi também suspenso em 2007 o SIGRAP - Sistema de Informação de Gestão dos Recursos da Administração Pública, criado no âmbito do Sistema de Controlo Interno durante o período de Manuela Ferreira Leite. A estratégia de adopção de um sistema ERP único para toda a administração pública gerido pela GERAP, fez esquecer a necessidade de criar condições de interoperabilidade entre os sistemas departamentais existentes e o sistema central. O "negócio" da GERAP ofuscou completamente a gestão global dos recursos do estado, passando a ser uma "agência de vendas" de pacotes SAP, à procura de um "mercado" sem fim à vista. A GERAP, para além de não ter cumprido o seu papel, quase destruiu a DGAEP e o Instituto de Informática e abalou seriamente o funcionamento da DGO. É fácil ser "Fornecedor" quando os "Clientes" são obrigados a comprar e quando quem devia regular este "mercado" é desautorizado e fragilizado nas suas competências (DGAEP, DGO, etc.).

Está-se a olhar para algumas árvores do nosso quintal em vez de se ver a totalidade da floresta do nosso território e infelizmente confunde-se autonomia e desorçamentação com descontrolo dos recursos do Estado. É preciso inverter quanto antes este caminho: A aposta deverá centrar-se na criação de mecanismos de interoperabilidade entre a diversidade dos sistemas locais e os sistemas centrais suportados na concertação semântica e em ferramentas adequadas de business intelligence.

O conceito de Serviços Partilhados, introduzido em 2005 na gestão dos recursos da administração pública pelo Instituto de Informática, foi totalmente deturpado pela GERAP, passando a ser uma apropriação centralista e autoritária de recursos sem qualquer regulação institucional ou de mercado. Desde 2007, todas as atenções e prioridades se viraram para a "venda" em monopólio de ERP locais e espaço de computador, num exercício de autolegitimação para impressionar o poder político, que busca desesperadamente soluções para a redução do défice.

Qualquer empresa portuguesa na área dos sistemas de gestão (ERP) está impedida de vender serviços ao Estado, a não ser que seja SAP. Em benchmarkings recentes a GERAP apresentou custos que vão para além do dobro dos custos de outras soluções disponíveis no mercado português e os prazos para instalação do GeRFiP e do GeRHuP vão para lá dos dois anos, por incapacidade manifesta de resposta às solicitações dos organismos. O estado está, através da GERAP, a concorrer directamente com o sector privado, viciando o jogo através da reserva de normas de interoperabilidade semântica, que deveriam ser totalmente públicas e transparentes, bloqueando a fluidez dos dados entre os vários sistemas locais e a camada estratégica dos sistemas centrais e impedindo o funcionamento em tempo real da gestão dos recursos humanos, financeiros e patrimoniais do Estado, de suporte fiável às políticas públicas em curso.

Como vai ser possível ter rigor na Governance e no controlo global dos recursos da administração pública? Como se vão fazer os próximos Orçamentos? Como se vai fechar a Conta? Quantos são os trabalhadores do Estado? Como gerir as carreiras de pessoal e responder às pressões corporativas em tempo de crise? Qual o valor patrimonial do Estado? Para quando uma balanço do Estado? Para quando o controlo efectivo da Despesa Pública?

(*) Direcção da APDSI e Consultor de e-Government, IT Governance e Modernização Administrativa

CPI das privatizações: a responsabilidade do PT

24/12/2011 2:01,  Por Carta Maior

CPI das privatizações: a responsabilidade do PTA nova relação de forças existente no país permite que a discussão esmagada nos anos 90 – e ainda vetada pela mídia conservadora, que silencia diante do livro citado – seja reaberta agora. Ao protocolar um pedido de CPI sobre o assunto, na última quarta-feira, dia 21, o deputado Protogenes Queiroz, destravou o ferrolho da porta do silêncio. É importante utilizá-la para arejar o tema com o ar fresco da seriedade que o passado negou. O artigo é de Saul Leblon.
Saul Leblon
O desabalado processo de privatizações vivido pelo Brasil nos anos 90 ressentiu-se, entre outros requisitos, da necessária transparência de um debate sereno e abrangente.
No atropelo que marcou uma agenda impulsionada por coalizão de interesses econômicos e ideológicos, então no auge do seu poder, a mídia conservadora cumpriu a função de silenciar as vozes e forças discordantes, asfixiando-as com o método conhecido da desqualificação.
O aparelho de Estado resultante de quase duas décadas de ditadura militar necessitava sem dúvida ser passado a limpo pela democracia, tendo sido desvirtuado como instrumento da sociedade e do desenvolvimento.
Ademais de sua blindagem repressiva, é indiscutível que muitas das empresas enredadas na engrenagem estatal nesse período serviam apenas de fachada para o assalto ao erário público, desservindo a população e desguarnecendo o país em áreas essenciais.
Não foi esse, porém, o critério da bocarra voraz que escolheu o quê e como seriam privatizadas, extintas ou fortalecidas as empresas formadoras do patrimônio público brasileiro.
O livro-dossiê do jornalista Amaury Jr,’A Privataria Tucana’, desvela um pedaço do apetite rapinoso que orientou boa parte do processo e dele se aproveitou. Antes e com rigor reconhecido até pelos seus críticos,o jornalista Aloysio Biondi já havia vasculhado outras dimensões e casos correlatos.
A nova relação de forças existente no país permite que a discussão esmagada nos anos 90 – e ainda vetada pela mídia conservadora, que silencia diante do livro citado – seja reaberta agora. Ao protocolar um pedido de CPI sobre o assunto, na última quarta-feira, dia 21, o deputado Protogenes Queiroz, destravou o ferrolho da porta do silêncio. É importante utilizá-la para arejar o tema com o ar fresco da seriedade que o passado negou.
A CPI que está sendo proposta não deve ser encarada como uma oportunidade de revanche contra personalidades arestosas da vida política nacional. O envolvimento de José Serra e o enriquecimento de seus familiares no intercurso com o afanoso processo é um ângulo. Ilustrativo, merecedor de esclarecimentos amplos,mas talvez não o mais importante. A reabertura da discussão hoje tem o mérito, entre outras coisas, de adicionar elementos à retificação da macroeconomia legitimada no processo de privatizações, e cujos efeitos deletérios ainda são determinantes na condução da agenda brasileira de desenvolvimento.
À rapinagem do patrimônio público sucedeu-se, simultaneamente nos anos 90, a expropriação da soberania democrática na formulação das políticas públicas brasileiras. A agenda do Estado mínimo que embalava o rufar dos negócios ‘no limite da irresponsabilidade’, transferia ao mesmo tempo o comando regulador da economia à autossuficiência dos livres mercados, descredenciando a política, as urnas e a mobilização social como protagonistas supremos do desenvolvimento. Quando tomou posse em 2003, não por acaso, em meio ao dilúvio de interditos e restrições, o Presidente Lula desabafou: ‘Terceirizaram o Estado brasileiro’.
Não são questões de natureza teórica. A dominância financeira subjacente a esse rolo compressor explica hoje porque o Estado brasileiro destina ao SUS, por exemplo, com as consequências sabidas, o equivalente a 1/3 da fatia do PIB que o Estado francês reserva à saúde pública. Em contrapartida, graças a juros de calibre inédito em economias relevantes, o Brasil oferece 5,5% do PIB aos rentistas da dívida pública que não para de crescer. O desequilíbrio cambial decorrente da política monetária ensandecida faz do Brasil atualmente um paraíso dos capitais especulativos, com a contrapartida de importações maciças que aniquilam elos das cadeias produtivas, corroendo a indústria,o emprego e o saldo comercial.
Embora agônica no plano mundial por conta da crise capitalista que engendrou, a hegemonia das finanças desreguladas continua a dar as cartas aqui e alhures. Entre outros motivos, porque as forças de esquerda, de um modo geral, renderam-se elas também ao receituário ortodoxo do mito dos mercados autossuficientes.
O PT traz no seu DNA sindical, enriquecido por correntes de esquerda e de extração religiosa progressista, um antagonismo de berço com essa agenda. Mas acomoda em seu interior também o germe da rendição socialdemocrata que hoje pavimenta o avanço desconcertante da extrema-direita na Europa, em meio ao desmantelo de direitos duramente fincados como estacas demarcatórias da fronteira entre a civilização e a barbárie da lógica redutora do capital.
A CPI da privatização abre um espaço de discussão política e de investigação de responsabilidades num momento crucial da maior crise vivida pelo capitalismo nos últimos 80 anos. Pode ser uma trincheira importante para evitar que o colapso em curso seja ‘resolvido’ dobrando-se a aposta nos métodos e agendas que provocaram a a vossoroca da esfera pública, a captura dos recursos nacionais e o engessamento financeiro e ideológico do Estado brasileiro a partir dos anos 90.
É incompreensível assim que deputados do PT tenham omitido a sua assinatura no requerimento de CPI protocolado no dia 21. Não se trata de renegá-los, mas de sensibilizá-los para o debaterelevante e inadiável que essa CPI propicia, num quadro de gravidade histórica inquietante. Com o objetivo de acelerar essa discussão pertinente e fraterna no interior do partido e entre eleitos e eleitores, Carta Maior disponibiliza a lista com os nomes dos deputados que assinaram a CPI, aguardando a palavra daqueles que se omitiram.
Clique aqui para ver os deputados que assinaram o pedido de CPI